
Nove anos de prisão. O militar Hugo Hernano, 34 anos, atualmente na Unidade de Intervenção da GNR, alto e de porte atlético, fardado, ouviu ontem a sentença do coletivo do tribunal de Loures, encolhido e cabisbaixo. O orgulho de militar desaparecera. Por ter atingido mortalmente a tiro em 11 de agosto de 2008 um rapaz de 11 anos, de etnia cigana, durante uma perseguição à carrinha carregada de ferro furtado e conduzida pelo pai da criança, o militar Hugo Hernano foi condenado a nove anos de prisão por homicídio por dolo eventual, o que demonstra, para o tribunal, que disparou numa perseguição sabendo que o resultado podia ser a morte de alguém. Foi a pena mais pesada até hoje decretada a um elemento das forças de segurança por uma morte que aconteceu em resultado de uma perseguição a tiro, segundo a APG/GNR.
A juíza relatora do acórdão Teresa Alfacinha, a mais velha do coletivo de quatro magistradas, explicou logo no início da sessão, que a decisão não foi unânime, apenas "maioritária". Houve um voto vencido, a da juíza-presidente Sónia Moura (ver caixa). A juíza relatora também sublinhou várias vezes que não era a corporação da GNR que estava ali a ser julgada, força pela qual o tribunal tem "o maior respeito" mas apenas a conduta de um seu elemento.
"A ilicitude dos factos é grave. É inequívoco que o arguido usou a arma de modo inadequado, injustificado e desproporcional", afirmou a magistrada Teresa Alfacinha, de olhos postos no militar.
O tribunal entendeu que é homicídio com dolo eventual tendo alterado assim pela terceira vez o crime pelo qual o guarda vinha acusado (de homicídio qualificado para homicídio por negligência - cuja pena era até cinco anos - e agora para homicídio simples por dolo eventual).
"Como demonstra o relatório social, a sua postura foi sempre de inflexibilidade, intolerância e impulsividade. E nas condenações que já teve em processos disciplinares nunca revelou um juízo de autocrítica", prosseguiu a juíza, num tom duro.
O militar não mexeu um músculo. Na sala de audiências, os vários colegas da GNR que ali foram em solidariedade suspiravam e abanavam as cabeças em sinal mudo de protesto.
Já o pai da criança morta na perseguição a tiro, o qual se encontra a cumprir pena por outros ilícitos na cadeia de Alcoentre, foi condenado a dois anos e dez meses de prisão pelos crimes de resistência e coação à autoridade (desobedeceu à ordem de paragem dada pelo militar Hugo antes deste disparar para o pneu da Ford Transit e ainda tentou atropelar o guarda), desobediência e falsas declarações.
Sandro Lourenço vai ainda receber 20 mil euros de indemnização pela morte do filho Paulo Lourenço. A sua mulher, Olga Salazar, que se constituiu como assistente no processo, receberá 60 mil euros.
O coletivo entendeu que devia ser feita uma distinção entre os dois membros do casal, devido à conduta criminosa de Sandro nos acontecimentos que culminaram com a morte do seu filho menor.
Sandro Lourenço mostrou, à data dos factos," indiferença perante as consequências [de fugir à Guarda]". "Podia ter morto o militar Hugo Hernano quando o tentou atropelar, levava o seu filho no veículo em fuga, estava evadido de um estabelecimento prisional. Não pensou em nada disso, cometeu todos os ilícitos por dolo direto". A pena deste arguido foi tomada por "decisão unanime" pelo coletivo, sublinhou a magistrada relatora. E a sua conduta contribuiu para que o tribunal não aceitasse o valor de 300 mil euros que constava do pedido de indemnização cível.
Já no exterior do tribunal, houve troca de palavras entre amigos e camaradas de Hugo Hernano e membros da família cigana de Sandro Lourenço.
O militar arguido saiu pelas traseiras e não quis falar. O seu advogado, Ricardo Vieira, revelou-se "surpreendidíssimo" por o coletivo alterar o crime pelo qual o seu cliente vinha acusado para homicídio por dolo eventual e anunciou que vai recorrer diretamente para o Supremo. Hugo Hernano é pai de dois filhos menores e tem estado no ativo na Unidade de Intervenção da GNR desde há pelo menos três anos, um corpo de elite "para onde só vão os melhores", sublinhou o dirigente da APG Nuno Guedes, que assistiu à sessão.
O seu processo disciplinar está suspenso, a aguardar o trânsito em julgado do processo crime.
A juíza-presidente do coletivo, Sónia Moura, justificou que votou vencida porque entendeu que o crime que foi praticado foi homicídio por negligência, com uma pena de até cinco anos de prisão. "Estamos a falar de um agente, ao serviço e em perseguição a uma viatura suspeita. O agente não quis matar ninguém", considerou a juíza, entendendo que o erro do militar foi não ter disparado para o ar em vez de atirar para o pneu.
Nuno Guedes, da Associação de Profisisonais da Guarda (APG) disse que, se a pena for confirmada por tribunal superior, Hugo Hernano "será expulso da GNR". "Na GNR e na PSP a expulsão é sempre decretada para penas em tribunal superiores a três anos, sejam suspensas ou efetivas."
Por comparação, um militar da GNR foi condenado, em abril, a uma pena de um ano, suspensa, pelo homicídio por negligência de um ladrão de cobre, por juizes e jurados de Porto de Mós.
António Barreira, dirigente da APG/Sul, mostrou-se, a propósito deste caso, "preocupado" com os militares da GNR de Évora que "estão sem treino de tiro desde outubro de 2012" porque a carreira do exército onde treinavam foi desativada e a do MAI está ao abandono desde 2009."
Rute Coelho
Sem comentários:
Enviar um comentário